Os caminhos da arte na Antiguidade

Tema 2 O despertar do belo

Quais as mudanças desenvolvidas pelos gregos em comparação com a produzida pelos egípcios, que foram incorporadas ao programa artístico desenvolvido por eles?

Um fato fundamental para se entender a arte na Grécia Antiga é admitir que eles aprenderam com os egípcios. Quem nos dá notícias desse fato é o general romano do século I, Plínio Gaius Segundo, ou Plínio, o Velho, autor de uma enciclopédia de história natural. Entendendo que as artes, pelos materiais utilizados para que elas se concretizassem ou se materializassem, poderiam se enquadrar em um livro de história natural, voltado para as ciências conhecidas até então, Plínio tratou das artes, em geral, mas afirmou que os gregos aprenderam pintura e escultura com os egípcios.

O que temos da pintura feita na Grécia Antiga são os vasos de figuras negras e vermelhas, encontrados em diversos lugares da Grécia. Os mais antigos são os de figuras negras (figura 15). Nessa técnica, as figuras eram pintadas em negro sobre o fundo vermelho da cerâmica. A técnica originou-se em Corinto, por volta do século VII a. C., irradiando-se para as outras cidades gregas.

Figura 15 – Cena de um vaso de figuras negras representando um centauro, pessoas e deuses do Olimpo.

Nota-se, nessas figuras, um início de distanciamento do padrão da frontalidade, adotado pelos egípcios na representação do corpo humano. No entanto, os rostos continuaram sendo representados de perfil e as pernas de lado, como forma de criar a ilusão de movimento. E não é incomum encontrar nelas os olhos representados de frente.

Às figuras negras, sucedeu-se a cerâmica decorada com figuras vermelhas. Nessa técnica, desenvolvida por volta do século V a.C., o fundo era pintado de negro e as figuras ficavam com a cor da cerâmica, o que permitia uma riqueza maior de detalhes dos desenhos. Entretanto, ainda aqui, aplicam-se os comentários feitos anteriormente com relação à utilização da lei da frontalidade nas cerâmicas de figuras negras.

Figura 16 – Vaso de figuras vermelhas.

O que é interessante perceber é que, apesar de ainda seguirem alguns modelos formais herdados dos egípcios, os gregos aventuraram-se ao tentar representar as figuras como eles as viam, no lugar de desenhar o que eles sabiam que existia. Isso vai ser mais claramente percebido com relação às esculturas. Contudo, antes, vamos conhecer os elementos da arquitetura grega.

Estilo dórico, jônico e coríntio.

Normalmente, referimo-nos à arquitetura grega em função dos estilos das colunas que sustentam os seus templos. Porém antes, é importante apresentar aqui a relação estabelecida entre os gregos e os seus deuses, uma vez que essa relação será a responsável por uma diferença entre os templos egípcios e os gregos. Os templos egípcios eram construídos para deuses, com características realmente divinas e distintas das humanas. Já os deuses gregos possuíam características humanas: apaixonavam-se, eram vingativos, ciumentos e rancorosos. Isso se reflete na própria dimensão dos templos. Se os templos egípcios eram construídos para os deuses, os gregos eram construídos para os homens, que eram representados e valorizados enquanto espécime máximo da criação.

Todo templo grego possuía a mesma estrutura (figura. 17). Sobre uma base eram erguidas as colunas que sustentariam o entablamento, que era composto de arquitrave, friso e cornija. A arquitrave é a parte que se apoia nas colunas. O friso, elemento intermediário entre a arquitrave e a cornija, geralmente, era decorado com relevos. A cornija, nas fachadas anterior e posterior, emoldurava o frontão triangular, o qual podia também apresentar esculturas em relevo.

Figura 17 – Esquema de um templo grego.

As colunas são os elementos do templo que mais facilmente auxiliarão a identificar a ordem arquitetônica a que ele pertence. São compostas de fuste (corpo da coluna) e capitel (parte superior da coluna, sobre a qual se apoia o entablamento).

As ordens arquitetônicas gregas podem ser divididas em:

Dórica – O fuste é estriado e o capitel é simples, sem decorações. É o modelo que está no meio na figura 18. Um modelo de templo dórico é o Partenon (figura 19), construído na Acrópole de Atenas, quando ela foi reconstruída, sob o governo de Péricles, no final do século V a.C. Os relevos que ornavam a arquitrave e a cornija (figura 20), de um realismo impressionante nas figuras humanas, animais e na própria narrativa, foram levados para Londres, no século XIX, por Lorde Elgin.

Jônica – O fuste é feito com canaletas e o capitel ganha um elemento novo, uma decoração lateral com volutas (coluna da esquerda, na figura 18). O Erecteion (figura 21), também construído na acrópole de Atenas, foi feito segundo a ordem jônica. O pórtico sul, voltado para o Partenon, traz o Varandim das Cariátides. Nele, o telhado se assenta sobre seis estátuas femininas, colocadas no lugar das colunas.

Coríntia – O fuste é semelhante ao da coluna jônica, o capitel é decorado com as mesmas volutas da coluna jônica, mas são acrescidos a ele folhas de acanto (coluna da direita, na figura 18). A ordem coríntia traz elementos orientalizantes. Esse capitel é o que foi mais utilizado pelos romanos.

Figura 18 – Esquema das colunas jônica, dórica e coríntia.
Figura 19 – Partenon — Acrópole de Atenas, Grécia.

Crédito de atribuição editorial: Giannis Papanikos / Shutterstock.com

Figura 20 – Relevos retirados do Partenon — Museu Britânico, Londres.
Figura 21 – Erecteion — Acrópole de Atenas, Grécia.

O Partenon é a única construção que foi utilizada como templo religioso de quatro religiões diferentes. Templo de Atena na Antiguidade, ele foi transformado, sucessivamente, em igreja bizantina, em catedral católica, após o advento do cristianismo, e, posteriormente, em mesquita turca. Ele está em ruínas desde 1687. A cella, parte do templo destinada a abrigar a estátua de Atena, foi usada, originalmente, como paiol pelos otomanos e acabou explodindo durante um cerco no qual a cidade foi bombardeada por canhões. Os mármores retirados do Partenon, por Lorde Elgin, nos primeiros anos do século XIX, constituem o maior tesouro do Museu Britânico.

As ordens arquitetônicas podem, de certa forma, ser associadas aos três períodos da Grécia Antiga. O período arcaico pode ser associado ao estilo dórico, mais severo e forte. No período clássico, notamos uma presença maior da ordem jônica, mais suave e feminina. Já no período helenístico, período que corresponde ao da expansão da cultura grega durante o reinado de Alexandre, o Grande, encontramos a ordem coríntia, com as tendências orientalizantes. Entretanto, os três períodos trazem, também, elementos interessantes com relação à estatuária.

Outra forma de construção característica da Grécia é o teatro (figura 22). Construídos ao ar livre, aproveitando, muitas vezes, o declive do terreno, e escavados em hemiciclo com filas concêntricas de bancadas, os teatros reuniam toda a população das cidades gregas. As tragédias e as comédias encenadas tinham uma função social. Sendo assim, destinavam-se a educar e a moralizar os habitantes da polis. Ao centro, na parte inferior do declive, situavam-se a orquestra — na qual atuava o coro — o proscênio e a cena, a qual se desenrolava a peça. As tragédias eram patrocinadas pelo Estado, faziam referência aos deuses e traziam as regras sociais. Já as comédias celebravam a vida e os assuntos mundanos, cotidianos. A primeira era digna dos deuses, a segunda era digna dos homens.

Figura 22 – Teatro de Herodes Atico — Atenas, Grécia.

Período arcaico, clássico e helenístico

No período arcaico da Grécia Antiga, encontramos diversas esculturas de jovens, homens e mulheres, sempre na mesma posição. As estátuas representando homens, geralmente, mostravam-se nus, em rigorosa posição frontal. Já as femininas eram vestidas. Essas esculturas eram chamadas de kouros — “homens” (figura 23) e de koré — “mulheres” (figura 24).

Figura 23 – Kouros.
Figura 24 – Koré.

Essas esculturas receberam forte influência das esculturas egípcias, pois os gregos, provavelmente, entraram em contato com a cultura egípcia por causa dos contratos comerciais. Suas características são a rigidez, a frontalidade, a rigorosa simetria e o chamado sorriso arcaico. Os braços são estendidos ao longo do corpo, mas, em alguns casos, um dos braços pode estar dobrado em um ângulo de 90º com a mão segurando alguma oferenda. O termo kouros é usado por Homero para se referir aos jovens soldados. Acredita-se que essas esculturas tenham sido feitas com duas finalidades. A primeira delas, coloca-as como destinadas aos templos, como uma espécie de estátua votiva. A segunda, situa-as nos cemitérios, em túmulos de pessoas importantes.

Elas nunca representavam pessoas reais, não sendo, portanto, os retratos como os entendemos hoje. Elas representavam as virtudes ou os ideais que deveriam ser alcançados pelos homens. Contudo, ao contrário das esculturas egípcias que as influenciaram, podemos notar que já existia uma tentativa de aproximar a obra esculpida daquilo que realmente era visto, que existia em um homem real. Assim, encontramos um início de estudo anatômico, na musculatura em detalhes, como o da aparência dos joelhos, com a intenção de representar as imagens como elas realmente eram.

O período clássico é o que iria assistir à exaltação máxima da figura humana. A representação continuou sendo impessoal, e as virtudes e os deuses os modelos mais frequentemente retratados. Apesar de as esculturas dos kouros continuarem sendo feitas, as obras que caracterizam esse período perderam a rigidez e buscaram, cada vez mais, a cópia perfeita daquilo que existia na natureza.

Figura 25 – Discóbolo de Míron — Museu Britânico, Londres.

O Discóbolo de Míron (figura 25) representa um jovem atleta no momento no qual arremessará o disco. O contrapeso na posição adotada pelo modelo, a fidelidade da representação anatômica, a harmonia nas proporções, o vigor e a força presentes nessa escultura do período clássico fizeram dela uma das mais famosas do mundo. O realismo é tal que temos a sensação de que a qualquer momento o disco realmente será arremessado. A tradição diz que foi a partir da observação e da reprodução exata dos movimentos apresentados nessa escultura, que o esporte de arremesso de disco, o qual não era praticado desde a Antiguidade, pôde ser reativado e incorporado aos jogos olímpicos modernos.

No período que ficou conhecido como helenístico, quando a cultura grega ou helênica foi difundida para outras partes do mundo antigo, a escultura ganhou outras características, como a emoção, a fluidez e uma maior liberdade na escolha dos temas. Foi também nesse período que os primeiros retratos, tais como os entendemos hoje, foram executados. A figura 26 traz uma cabeça esculpida, um retrato de Alexandre, o Grande. Percebemos nela traços e os elementos que contribuem para uma individualização, para uma tendência de dotar essa cabeça de uma identidade própria, capaz de fazer com que o retratado seja perpetuado por meio da obra de arte. Entretanto, essa perpetuação não se dá por meio daquilo que o retratado representa, como no caso do faraó, que representava o Estado teocrático egípcio. É a vontade de ser perpetuado, lembrado por aquilo que o retratado é, ou seja, por seus caracteres individuais.

Crédito de atribuição editorial: Tony Baggett / Shutterstock.com

Figura 26 – Cabeça de Alexandre, o Grande.

É claro que essa possibilidade de representação era restrita à realeza. O retrato não era algo a ser adotado ou partilhado com o restante da população. Porém, o contato da cultura helênica com as culturas orientais contribuiu para que alguns elementos fossem mais exacerbados. Os detalhes de relevo no corpo humano, percebidos nos panejamentos que envolviam os corpos, já eram utilizados há muito tempo. Ensaiados timidamente nas koré, mas já bastante desenvolvidos nos relevos que ornavam os templos, esses panejamentos alcançaram a perfeição da leveza e do movimento nas esculturas do período helenístico, como na Vitória encontrada sem os braços e sem a cabeça na ilha grega de Samotrácia (figura 27).

Figura 27 – Vitória da Samotrácia.

A sutileza e a delicadeza do relevo fazem com que não sintamos falta dos elementos que foram perdidos. A escultura parece que está prestes a alçar vôo e é quase palpável, tangível o vento que movimenta suas vestes.

Outra importante escultura do período, que nos permite fazer uma leitura não somente dos caracteres técnicos, mas, sobretudo, da dramaticidade que caracteriza a escultura helenística, é o conjunto escultórico representando Laocoonte e seus filhos (figura 28).

Figura 28 – Laocoonte e seus filhos — Museu Vaticano.

Laocoonte era um sacerdote troiano que foi prevenido por um oráculo com relação à invasão dos gregos e tentou aconselhar seus conterrâneos para que não aceitassem o presente deixado nos portões da cidade, o cavalo de Troia. Os deuses enviaram, assim, as serpentes marinhas para que o matassem e a seus dois filhos. Os autores poderiam ter escolhido qualquer momento da história para representá-la. Contudo, será que algum outro momento poderia ter permitido que seus autores explorassem ao máximo a dramaticidade do episódio? Existe situação pior do que um pai ver seus filhos serem mortos e não poder fazer nada para impedir? O desespero de Laocoonte salta aos olhos e cada músculo do seu corpo e dos seus filhos expressam a luta sem trégua enfrentada por eles em busca da vida que se sabe perdida. Essa é a dramaticidade da escultura helenística. Ela é capaz de envolver-nos e de nos fazer sofrer junto com os retratados, sem que a harmonia e o equilíbrio, característicos da escultura grega, sejam prejudicados.

Aprofunde seu estudo lendo o texto a seguir:

MEDEIROS, A. C. O ideal de beleza na escultura grega: reflexões sobre as acepções formais construídas pela sociedade grega. Acesso em: 30 jun. 2017.

Ampliando o foco

Sobre a arte grega, ver:

GALVES, M. C. P.; PINHEIRO, A. C. F.; CRIVELARO, M. História da arte e do design: princípios, estilos e manifestações culturais. São Paulo: Érica, 2014, p. 33-54. Disponível na Minha biblioteca.

NOYAMA, Samon. Estética e filosofia da arte. Curitiba: Intersaberes, 2016, p. 20-85. Disponível na Biblioteca Virtual.