O Estado capitalista e a luta de classes

Tema 3 Crise do capitalismo e as lutas de classes contemporâneas

Na contemporaneidade, quais perspectivas caracterizam a crise do capitalismo e o lugar da luta de classes?

Nesta aula, pensaremos a respeito das crises capitalistas contemporâneas e os debates sobre a luta de classes.

Iniciaremos imaginando a sociedade industrial capitalista e a classe trabalhadora ao final do século XIX: o tempo que separa o presente desta sociedade da experiência do passado vivido por ela, que hoje só pode ser pensada por meio de uma leitura histórica, nos impôs diversas mudanças sociais, culturais e econômicas, principalmente, nas formas de produção e reprodução capitalista e nas relações de trabalho.

Quais transformações podemos identificar?
Onde estão situadas as lutas de classes na atualidade?

Muitos sociólogos, filósofos, historiadores, entre outros pensadores das Ciências Humanas, se apropriaram do conceito de classe, a partir do marxismo, para analisar as contradições presentes no capitalismo, que geram diversas mazelas sociais, em uma relação de dominação e exploração.

Qual é a sua classe social?

No nosso tempo, as relações de classe se tornaram extremamente complexas, por exemplo, quando nos referimos ao proletariado. Quem é o proletariado hoje em dia?

Temos testemunhado índices altíssimos de desemprego no Brasil, acarretando um contexto em que o trabalhador desempregado se torna “empreendedor”, não porque domina o capital, mas justamente porque não consegue se sustentar, neste sistema, em um trabalho que lhe dê segurança. Muitos trabalhos são precarizados, ou seja, os sujeitos dispõem apenas de sua força de trabalho para sua sobrevivência e de sua família, sem nenhum tipo de garantia. Assim, a pergunta “Qual é a sua classe social?” acaba sendo difícil de ser respondida, pois, enquanto nos séculos XIX e XX, a massa proletária, formada pelos operários de indústria ou campesinato, era identificável, hoje a categoria de proletário é diluída dentro das formas e relações de trabalho.

A dificuldade da organização da classe em torno da busca de seus direitos tem sido uma das questões-problema dos séculos XX e XXI, juntamente com a própria dificuldade da organização de partidos e grupos de cunho socialistas, que, historicamente, têm, na causa do trabalhador, sua pauta principal. Certamente, os teóricos liberais do século XIX, quando debateram a crise do capitalismo na época, não seriam capazes de imaginar o quão destrutivo o sistema se tornaria, nem tampouco como mesmo os conceitos de classe e lutas se ampliariam na forma como são hoje.

Crises do capitalismo

Desempregados na fila para doação de sopa e café. Chicago, 1931.
Desempregados na fila para doação de sopa e café. Chicago, 1931.

Em diversos momentos da História, o capitalismo engendrou crises que culminaram em verdadeiras catástrofes econômicas e sociais.

Basta lembrar da crise de 1929, nos Estados Unidos, que surgiu justamente do excesso de produção sem que houvesse consumidores com poder aquisitivo suficiente para atender à oferta. O sistema econômico entrou em colapso, levando muitas pessoas e empresas à falência, ou mesmo à pobreza extrema.

A crise atingiu a esfera global, inclusive o Brasil, que tinha os Estados Unidos como seu maior comprador de café, produto que representava cerca de 90% da exportação do país.

Leia a seguir a visão do cientista social Marcelo Braz sobre a natureza da crise do capital:

Ela é movida pela natureza contraditória do desenvolvimento capitalista que, ao potencializar seu processo de reprodução ampliada (sua própria acumulação de capital), reproduz os fatores que exponenciam suas contradições e acionam crises que, desde as últimas décadas do século XX, têm maior duração e se exprimem em períodos menos espaçados (e sem ondas longas expansivas), alternando períodos (espasmódicos) de crescimento, auge, crise, recessão/depressão, retomada.

(BRAZ, 2012, p. 47)

É justamente nas contradições que podemos ver agir a natureza, também destrutiva, da produção capitalista.

Não há mais nenhum tipo de autorregulação do sistema “autometabólico” do capitalismo, ou seja, da ideia de que o próprio mercado se autorregula e regula a sociedade para o bem-estar dos cidadãos.

O caráter da crise tem se apresentado permanente em vez de colocar-se em sua forma cíclica — de tempos em tempos. Ainda que o capitalismo contemporâneo engendre possibilidades para a classe trabalhadora, elas, na verdade, se apresentam como paliativas e conciliatórias. Em outras palavras, as brechas no Estado capitalista, em vez de viabilizarem um novo projeto de sociedade, acabam sendo usadas para assegurar e reproduzir a ideologia burguesa. Dessa forma, o trabalho torna-se parceiro do capital e seus representantes — os representantes do capitalismo no governo (BRAZ, 2012).

O capital não foi capaz, como acreditava a ordem burguesa, de produzir igualdade; pelo contrário, gerou misérias tanto nos países centrais e periféricos, quanto no interior de cada nação. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou, em 2021, que 1,3 bilhão de pessoas vivem em estado de pobreza no mundo.

Somado a esta questão, o desenvolvimento atual das forças produtivas perdeu o parâmetro, de modo que tudo passa a poder se transformar em “commodities”, ou seja: mercadoria.

Em meados do século XIX, Marx e Engels afirmavam que o modo de produção capitalista já havia produzido riquezas em um volume de excedentes nunca visto em época nenhuma.

O que é o excedente?

Tudo aquilo que se produz, para além da sobrevivência, é o que gera o capital e se concentra nas mãos de poucas pessoas (os capitalistas) que detêm este excedente, porque dominam os modos de produção.

O modo de produção capitalista e a crise no meio ambiente

Considerando nossos estudos até aqui, podemos agora pontuar a exploração indiscriminada e agressiva do meio ambiente. Segundo especialistas, se continuarmos neste ritmo, principalmente para atender os países superpopulosos, precisaríamos de pelo menos dois planetas Terra (BRAZ, 2012, p. 475).

Para acessar dados sobre a crise ambiental, acesse Dia da sobrecarga da Terra | Overshoot day.

Minérios, petróleo e outras matérias-primas são considerados recursos naturais que estão na base capitalista, ou seja, aqueles que servem de base para mercadorias tecnológicas. Como exemplo, podemos citar extração de lítio e nióbio, que foram explorados intensamente.

Não ao acaso, há os investimentos que tornam exploráveis diversos recursos e produtos provenientes de matérias-primas naturais. Trata-se da “financeirização do capital” (BRAZ, 2012), que se dá basicamente por quatro vias, apresentadas a seguir.

Clique nas abas e entenda cada uma das quatro vias:

Migração para áreas ainda inexploradas

São áreas que podem fornecer novos espaços de acumulação de capital.

Avanço sobre a natureza

Industrialização e mercantilização dos recursos naturais.

Investimento na produção de artefatos bélicos

Esta via supõe a criação de conflitos e guerras.

Investimento nos setores rentistas

Esta via se dá preferencialmente nos segmentos de renda fixa, que melhor remuneram o capital, como os títulos das dívidas públicas de países.

A luta de classes no cenário atual

Diante do cenário apresentado, é necessário pensarmos em como entender as lutas de classes nos nossos dias.

No início do século XX, a oposição ao sistema capitalista estava e está centrada em grupos que se ligavam aos pensamentos socialistas e comunistas. Porém, a queda do muro de Berlim, em 1989, e o fim do comunismo na Alemanha foi um marco que deu início à incursão global do capitalismo, com poucos resistentes, como Cuba e Venezuela, na América, e China (já não mais tão comunista) e Coreia do Norte, na Ásia.

Aqui, estamos nos referindo à resistência ao capitalismo, de forma organizada, a partir do Partido Comunista, que historicamente insurge na Revolução Russa como alternativa à sociedade capitalista. Tratava-se, sobretudo, de um projeto para a sociedade a partir da coletividade e de bens comuns.

Para entender o que é, de fato, o conceito de comunismo, acesse o Dicionário de conceitos históricos. Nele, é possível perceber como o conceito se constituiu e embasou a revolução popular na Rússia, extinguindo o sistema czarista, dando origem à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS.

O movimento Occupy

No cenário atual, as crises — principalmente a de 2008, iniciada nos Estados Unidos, que atingiu grande parte do capital financeiro global — despertaram uma série de greves e protestos, junto à situação de desemprego, pobreza e falências. Nesse contexto, destaca-se o movimento “occupy”, que ocupou centros próximos a Wall Street, liderado por um grupo que se autointitulava “indignados”.

No entanto, o movimento não apresentou organização em prol de um projeto de sociedade, ou seja, não apontava a horizontes com perspectivas de mudança da sociedade ou ruptura com o capitalismo.

Sobre a liderança dos “indignados”, destacamos o trecho a seguir, do autor Marcelo Braz:

Não há no seu horizonte a articulação de um projeto societário alternativo ao do capital, ainda que este seja repudiado tanto entre as lutas defensivas e de resistência dos trabalhadores quanto entre as mobilizações dos chamados “indignados”. O difuso “socialismo do século XXI” expressa‑se mais como um conjunto de princípios (que devem ser considerados!) que podem, no máximo, nortear agendas de lutas contra o capital em favor do trabalho, apontando para uma articulação anti‑imperialista, o que, deve‑se esclarecer já é um grande passo.

(BRAZ, 2012)

Vale destacar que, para o autor, o fato de não haver um projeto societário não significa ausência da luta de classes; a questão é saber como andam, em que patamar estão. Há um consenso entre pesquisadores que as lutas esmoreceram junto com os movimentos de esquerda. A dissolução das experiências socialistas abriu via para a hegemonia do capital, estabelecendo uma longa onda contrarrevolucionária, assim como o fortalecimento das forças conservadoras, tanto de direita, como de esquerda. As conservadoras da direita, afirmam o fim da História, e as de esquerda “namoram com o capital”.

Procure observar a sua volta as discussões e debates acerca desse tema e reflita sobre como você entende a luta de classes no seu contexto de existência.

Novas lutas?

Nas transformações sociais ocorridas em fins do século XX para o XXI, vimos surgir uma série de outros sujeitos sociais. Nas décadas de 1970 e, com mais intensidade 1990, as lutas até então conhecidas foram diversificadas, com a inserção de novos sujeitos sociais nesse universo — indústrias fabris, até as mais variadas, perpassando diversas questões culturais, étnicas, ambientais, de gênero etc.

Ainda que os cenários de lutas tenham se ampliado significativamente, a dimensão classista não se esvaiu. Há um consenso entre os pesquisadores marxistas de que não há capitalismo sem luta de classes. Em outras palavras: enquanto as forças do capital dominarem a produção social, as forças do trabalho se insurgirão e, da mesma forma, a luta de classes impulsiona o capitalismo para as inovações que se voltam contra o trabalho.

Talvez, os modelos antigos de lutas, centrados em partidos revolucionários, não considerem inovações próprias do nosso tempo e, por isso, é preciso fazer a análise da realidade de modo, que se pense a sociedade atual e suas complexidades, dentro do viés de classe organizada, para se avançar e não apenas resistir.

Com novos atores sociais e pautas distintas que atravessam a luta de classes, outros problemas teóricos têm se colocado aos cientistas sociais. A crise da luta de classes se encontra mais no sentido da organização da luta de classes partidárias, a qual teria perdido força com o enfraquecimento da possibilidade de revolução proposta pelo socialismo e comunismo. A proposta de uma superação revolucionária, pautando-se na totalidade, para a superação do capitalismo, se diluiu, tanto no plano teórico (com os aportes da pós-modernidade, cuja intelectualidade não reside no compromisso da transformação da realidade social), como também no campo da ação organizada e na reafirmação de um individualismo aburguesado.

O que queremos dizer com isso?

Que, na atualidade, a localização da luta de classes, como um todo, organizada por meio de partidos revolucionários, perdeu sua força, principalmente com a fragmentação em partidos reformistas. Com isso, não queremos dizer que as lutas de classes deixaram de existir. Na atualidade, diversos coletivos, grupos, instituições, entre outros, têm se organizado em torno de pautas ambientais, de gênero, étnico-raciais — que são atravessadas, também, pela questão classista.

Trata-se de imbricações entre gênero, classe e raça, que se realizam e se intercruzam dentro de um sistema de dominação e exploração. As questões do machismo, da homofobia e do racismo, embora tenham construções históricas próprias, no capitalismo, elas estão imbricadas, justamente, no corte de classes. Isso porque a pobreza, a marginalidade e a exclusão social, geradas pelo próprio sistema, perpassam todas elas.

Identitarismo e representatividade

As ideias de representatividade de gênero e raça têm suscitado diversos debates no cenário atual, fundamentados principalmente nas correntes identitárias, surgidas com as teorias pós-modernas. Podemos apontar movimentos como LGBTQIAP+, antirracistas e levantes populares, como o que ocorreu em 2020, após a morte de George Floyd, nos Estados Unidos.

No cerne dessas questões, como perpassam as lutas de classes?

Para guiar sua resposta, sugerimos outra pergunta: se George Floyd fosse um bilionário, ele teria as mesmas chances de ser assassinado?

Sabemos que o racismo também é um fato que ocorre nas classes mais elevadas, porém, é consenso que nas periferias, onde vive a maioria da população negra, a violência e a repressão policial é muito maior, ou seja, perpassa a questão da raça, mas também da classe.

Nessa aula, procuramos demonstrar algumas perspectivas sobre os debates e questões acerca da crise do capitalismo e o lugar das lutas de classes no cenário atual. Podemos considerar, porém, não concluir que há, de fato, um esmorecimento em torno das lutas relacionadas às questões econômicas voltadas à superação do sistema capitalista, como foi colocado.

Hoje, é possível perceber que há uma força contrarrevolucionária, que pende para conciliações e não para a superação do sistema capitalista, como propunham as ideologias socialista e comunista. A isso, se deve também o enfraquecimento das lutas de classes organizadas em torno de partidos.

Hoje, é possível perceber que há uma força contrarrevolucionária, que pende para conciliações e não para a superação do sistema capitalista, como propunham as ideologias socialista e comunista. As lutas de classes, organizadas em torno de partidos revolucionários, se enfraqueceram à medida que existe uma política de conciliação com o capitalismo e não de sua superação.

Na próxima aula, veremos algumas perspectivas e debates em torno dos movimentos sociais e sua importância na sociedade civil.

Vídeo

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