A linguagem como meio de expressão e interação social
Aula 1
O texto e o leitor
Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.
Paulo Freire
A citação destacada, do educador Paulo Freire, responde nossa pergunta inicial. O texto não deve ser apenas lido. Quando lemos, devemos compreender todos os elementos que o formam.
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Paulo Freire (1921-1997) foi professor de Língua Portuguesa. Um dos mais importantes educadores do Brasil, Freire dedicou-se incansavelmente à alfabetização de pessoas oprimidas pela sociedade, criando um método revolucionário de conscientização por meio.
De um modo geral, define-se leitura como um processo pelo qual um leitor apreende o código linguístico que, no nosso caso, é a língua portuguesa. Assim, é necessário, apenas, que o leitor possua “conhecimento linguístico”.
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Conhecimento linguístico é a capacidade que o leitor tem de compreender o código linguístico, ou seja, a língua que utiliza para se comunicar.
Quando lemos o aviso “Perigo! Cerca elétrica.”, certamente compreendemos que não devemos tocar na cerca, pois poderemos levar um choque elétrico. Para compreender essa mensagem, precisamos utilizar, apenas, o nosso “conhecimento linguístico”.
Quando somos alfabetizados, capacitamo-nos para ler mensagens escritas. O mundo se desvenda aos nossos olhos, pois os textos começam a fazer sentido, deixando de ser apenas um conjunto de formas e cores.
Ler, no entanto, é um processo mais amplo e complexo. Não basta conhecer o código linguístico para que a leitura seja feita corretamente. A compreensão do texto lido exige que utilizemos diversos outros recursos, como o sentido da visão, a capacidade de representação da realidade e o conhecimento de mundo que adquirimos com as nossas vivências.
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“Conhecimento de mundo” corresponde a todas as experiências que o leitor utiliza para dar sentido ao texto.
Na charge ao lado, percebemos que as personagens não conseguiram identificar o texto “código de barras” e a sua função. Faltou, neste caso, o “conhecimento de mundo” para que a leitura se realizasse adequadamente.
Devemos considerar que o texto é precedido de um “autor”, ou seja, o texto não existe sem que um autor o tenha produzido. É ele quem decide “o que” vai escrever e “como” vai escrever. A mesma mensagem pode ser transmitida em forma de notícia de jornal, de poema, de charge etc. O leitor precisa identificar as “pistas” deixadas no texto pelo autor e, assim, a leitura também depende de um conhecimento interacional.
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“Conhecimento interacional” é a relação entre o autor e o leitor, na qual o autor orienta a forma como o leitor deve ler o texto. No entanto, o leitor amplia o texto lido, estabelecendo novas relações entre o que lê e a sua própria capacidade de representar a realidade.
Mais do que apenas compreender um texto, o conceito de leitura implica atribuir significados ao texto ouvido ou lido. Assim, o leitor é muito importante no processo de leitura, pois atua sobre o texto com os seus conhecimentos, estabelecendo relações que não se encontram expressas graficamente. Essas relações estabelecidas pelo leitor representam o “contexto”. Todo texto precisa de um contexto.
Na tirinha apresentada, vemos que a personagem Mafalda não conseguiu atribuir um significado correto à expressão “indicador de desemprego”, pois conhece a palavra “indicador” apenas como denominação de um dos dedos da mão, aquele que aponta para as coisas. Ela desconhece que a palavra “indicador” também significa, no campo semântico (campo de significados) da economia, “indicar algo”. Portanto, Mafalda não compreendeu o contexto da palavra.
Observe que, na tirinha selecionada, o leitor aciona o seu “conhecimento de mundo” para compreender a intenção do autor em criar um texto de humor. Cabe ao leitor, portanto, “contextualizar” a palavra “indicador”.
Há uma infinidade de contextos que podem ser aplicados ao texto. É preciso que o leitor identifique, no texto lido ou ouvido, os elementos linguísticos e os elementos extralinguísticos que compõem o contexto.
São os elementos que constituem um texto: palavras, sinais de pontuação, espaços, cores, formas e outras representações gráficas (texto escrito); ou palavras, pausas e entonações (texto falado).
São os elementos que não fazem parte do texto, mas que são fundamentais para a sua compreensão, pois formam o contexto: intenção da comunicação, pessoas envolvidas na situação de comunicação, local de onde a mensagem é transmitida, expressões faciais e corporais etc.
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Nesta charge, o elemento linguístico “rede social” foi descontextualizado pelos elementos extralinguísticos (imagem), garantindo o humor do texto.
A incompletude do texto
A leitura de um texto não se limita a ler o que está escrito. Mesmo que um texto nos pareça completo, ao ler, antecipamos conclusões, estabelecemos comparações com outros textos lidos ou situações vividas e acrescentamos informações às imagens descritas.
Portanto, o leitor não é um sujeito passivo, que recebe as informações sem fazer questionamentos ou construir relações de significados não apresentados no texto. Ao contrário, ao ler, ele aciona os seus conhecimentos e cria novas propostas para o texto. Por isso, podemos afirmar que nenhum texto é completo.
Muitas vezes, faz parte da proposta autoral que o texto seja incompleto. O autor permite que o leitor complete seu texto a partir de elementos extralinguísticos.
A pergunta feita por Hagar à filha, no último quadro, deixa claro para o leitor sua intenção. O humor do texto ocorre quando o leitor é capaz de completar o diálogo (Hagar insinua que a sua esposa é a “discursante” do casamento, pois fala muito).
A “incompletude do texto” é uma característica da boa produção textual.
O autor não deve elaborar um texto que exija do leitor conhecimentos prévios específicos sobre o tema, os quais não sejam esclarecidos no próprio texto, a não ser que seu público-alvo seja, também, específico.
Um leitor não deve propagar um texto que foi retirado de seu contexto, pois outros leitores podem não conseguir interpretá-lo ou fazer uma interpretação equivocada.
Em redes sociais, é comum que sejam feitas postagens de textos filosóficos com a intenção de transmitir uma mensagem positiva ao leitor. No entanto, extrair a mensagem de seu contexto pode torná-la incompreensível ou exigir do leitor um esforço de interpretação que nem sempre trará uma resposta satisfatória.